É de conhecimento geral que bens cedidos em alienação fiduciária (móveis e imóveis), em caso de recuperação judicial da empresa alienante, não se submete às condições do plano de recuperação judicial (art. 49, § 3º, Lei 11.101/2005), é dizer, o crédito garantido pela alienação fiduciária pertence à categoria extraconcursal, prevalecendo intocável o direito do proprietário resolúvel sobre o bem.
Ponto pacífico e sem espaço para questionamentos, correto? Mais ou menos.
Sobre esse tema, em recente decisão, o STJ enfrentou a questão sob um enfoque peculiar, não explícito na lei. Trata-se do REsp 1.933.995 – SP (2021/0110157-9), de relatoria da Eminente Ministra Nancy Andrighi. O referido Recurso foi apresentado pela instituição financeira credora, que teve seu direito sobre o imóvel alienado desconstituído pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, sob o fundamento de ser, o bem alienado, estranho ao acervo patrimonial da recuperanda, vez que cedido em garantia por terceiro.
Em seus argumentos, a devedora fiduciante alegou que a regra do art. 49 § 3º da Lei 11.101/2005 não poderia ser aplicado, pois o bem em garantia não fazia parte do acervo patrimonial da recuperanda, e por essa razão, consequentemente, as cláusulas do contrato de alienação que previam a consolidação do imóvel em favor do credor fiduciário em caso de recuperação judicial, deveriam ser consideradas nulas, e a dívida garantida entrar na categoria de crédito quirografário.
O credor fiduciário, ora Recorrente, por seu turno, rebateu a tese da devedora Fiduciante, ora Recorrida, sustentando a natureza extraconcursal da dívida, pois o art. 49 § 3º da Lei 11.101/2005 não faz qualquer distinção se o bem cedido em garantia é ou não parte do acervo patrimonial do devedor fiduciante.
A Excelentíssima Senhora Ministra Relatora alertou que o tema já havia sido enfrentado pela 3ª Turma do STJ através do REsp 1.549.529/SP (DJe 28/10/2016, relator o e. Min. Marco Aurélio Bellizze), que definiu que “…o fato de o bem imóvel alienado fiduciariamente não integrar o acervo patrimonial da devedora não tem o condão de afastar a regra disposta no §
3º do art. 49 da Lei 11.101/05…”.
Ao referendar o posicionamento da 3º Turma do STJ, a r. Ministra, que integra a 4ª Turma da Egrégia Corte, reforçou ainda que “…o que deve ser afastado dos efeitos da recuperação judicial não é o montante integral previsto no contrato garantido pela alienação fiduciária, mas, sim, o valor equivalente ao bem cuja propriedade (fiduciária) foi transferida. Eventual saldo devedor excedente deve ser habilitado na classe dos quirografários”.
Ou seja, caso o bem do terceiro não seja suficiente para cobrir a integralidade da dívida (supondo ocorrer a consolidação do imóvel), caberá ao credor fiduciário habilitar o saldo remanescente no bojo da recuperação judicial na categoria de quirografário, e receber conforme parâmetros estabelecidos no plano de recuperação.
Essa interpretação é oposta à situação de consolidação do bem imóvel cedido em garantia por alienação fiduciária, quando não existe recuperação judicial e o bem faz parte do acerco patrimonial do devedor fiduciante. Nesse caso, se a consolidação se deu em razão da inadimplência deste, significa a quitação integral da dívida, sendo necessário restituição à devedora fiduciante eventual valor excedente na arrematação do leilão extrajudicial.
Válido lembrar que as decisões do STJ em comento não sofrem os efeitos da incidência dos recursos repetitivos, ou seja, os Tribunais Estaduais de Justiça não estão obrigados a seguir esse entendimento. Porém, seguramente, as decisões acima comentadas servem de referência, e provavelmente será seguido pelas instâncias inferiores, evitando o prolongamento das ações dessa natureza.
Richard Oliveira Lourenção é contador, advogado, consultor jurídico especialista em Factoring e Fidc